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A chave mágica.



Outro dia ouvi uma história interessante. Segundo o relato um casal acordou "soando o gongo" num determinado fim de semana. A mulher reclamando que o marido tinha se tornado um imprestável e elencando com enfase, pompa e circunstância todos os defeitos que ele tinha, que ela julgava que ele tivesse e mais alguns que ela acabara de criar, enquanto o homem atestava em alto e bom som o quanto ela era dada a infidelidade, a inverdade, a vaidade, a vulgaridade, bem como toda a futilidade, arrogância e frieza que vislumbrava nela. E tudo isto dito simultaneamente, com o linguajar próprio de quem tem a absoluta convicção da  inconsequência de seus atos e sua improvável punibilidade, trocando em miúdos: palavras que fazem Derci Gonçalves se remexer no túmulo.

A manhã caminhava para um golpe baixo ou até um eventual knock out quando tocou a campainha, pareceu o gongo anunciando o fim do round. Era o mala do vizinho em frente, seu Astolfo, que foi recebido assim:
-Bom dia seu Astolfo! Como vai a Dona Genoveva? e os Meninos? Quer tomar uma chicara de café com a gente? acabei de coar...
-Brigado, essa menina, quero incomodar não. Gegê tá lá reclamando da artrose e os menino tão bem graças a Deus. o vizinho ta aí?
-Tá sim, só um minutinho que vou chamar. Tem certeza que não quer um café?
A mulher encostou a portinhola da porta e se dirigiu ao marido:
-É pra você, seu ordinário! Este filho da puta ai da frente!
O homem se apressou a atender o vizinho:
-E aê parmerense! Tudo joinha? que que manda?
-Ô vizinho, desculpa ai a hora, é que tava lavando o carro e o quintal e a lavadora de pressão de pau. será que tu pode me emprestar a tua uns minutinhos?
-Claro vizinho! Pera aí que já vou pegar. fica tranquilo que só vou usar lá pelas 11 da manhã, viu?

Depois de tudo resolvido voltou pro jornal reclamando:
-Viado! ainda vem pedir minha maquina para atazanar uma hora destas da manhã... cara de pau, viu?

Ao menos aparentemente, este é um dos maiores mistérios da humanidade:  Porque diabos o cara trata bem o vizinho mala, o guarda que rebocou seu carro e o cliente que pediu mais uma vez para trocar a mercadoria; porque a mulher trata com cordialidade a chefe que lhe deu mais uma bronca .sem razão, a gerente da loja que atrasou a entrega daquele produto bem naquela data e o mala do vizinho e sobretudo porque seres tão gentis e cordatos, que um dia juraram amor eterno, se tratam desta maneira?

Obviamente o problema está na porta. mais precisamente na porta cuja chave se compartilha. Quando o camarada entrega a cópia da chave, ele está entregando um amuleto que abre um portal para tudo de mais obscuro e sombrio que o casal tem. só pode ser! Porque todas as regras para a vida em sociedade que os homens aprenderam durante séculos e séculos de evolução desaparecem naquele ato, o compartilhamento da chave!

O feitiço costuma vir com um antídoto poderoso: A argumentação Ad Hominem. geralmente em três modalidades, a de terceirização, a de vitimização e a de impulso, funciona assim:

Terceirização: "Desculpa amor, tô com muitos problemas no trabalho, no banco, na escolinha do professor Raimundo e aí acabei apagando a bituca de cigarro no seu braço.

Vitimização: "Mas você não deixou eu ver aquela parte do programa, falou um oi muito cheio de graça para aquela pessoa, não elogiou meu corte de cabelo e então eu quebrei três pratos, dois copos, a sua reputação e de sua família inteira em quatro gerações!"

Impulso: "Eu ceguei de ódio e quando vi já tinha falado ou te dado a bordoada, mas eu não queria..."

E como todo bom jogo tem ainda um Cheat: Malandramente deixar o tempo passar até que o outro esqueça tudo ou criar uma situação urgente que aspire cooperação mútua e máxima, até que tudo volte a normalidade cíclica.

Uma coisa que alguém poderia considerar é que quando esta é a intenção, não dá pra bater no outro sem querer, não dá pra matar o outro sem querer, não dá pra expor, humilhar, diminuir ou assediar o outro sem querer, porra!

Sem querer você derruba o café, bate o carro e erra o destinatário do e-mail. Quando você delibera fazer mal a alguém, seletiva e especificamente, seja com palavras ou atos, você está descartando esta pessoa do seu convívio ou contando muito com a abnegação ou dependência dela para impor assédio e dominação.

Se o compartilhamento da chave é o que define o tratamento que você dá as pessoas, provavelmente você é a porta.



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