Aquela tarde no saveiro.
Joãozinho sentou de fronte a proa, parecia querer alcançar a água com seus pés chatos e grandes, olhava para quele mundo d'agua como se passasse um bom filme no belo horizonte. Grilo andava de um lado para o outro inquieto, vez em quando tirava o chapéu surrado e passava a mão na rala cabeleira que lhe rendera mais uma alcunha, a de "pouca-telha". As vezes reclamava: "povo chei de resenha. chassi de grilo, grilo falante... agora essa. mingula!", mas geralmente não ligava.
Um casal de gaivotas pousou no mastro, como que para observar aquilo. O Gibraltar estava estranhamente silencioso naquela tarde ensolarada na baía. O batismo do saveiro saiu da cachola de Grilo, que bradava orgulhoso: "È pequeno, pequeno, mas importante. e disputado!" e caía na gargalhada entre um e outro gole de aguardente, "de alambique, que num tem química ruim".
O Grilo, apesar da demora (aquele foi de longe seu recorde mundial de silencio, que era coisa que ele não conhecia ou não presava, nem quando estava dormindo), mostrou sua faceta falante:
- Guento mair não Jão! Guento não! É cada uma que a vida apronta cum a gente! Tá retado, véi! tá barril, minha péda! Por Bom Jesus da Lapa que pra mim deu! ta uvino? tu ta uvno Jãozim? pra mim deu barão! sartei! vazei, eu num to guentano, guento mair não, guento não!
Joãozinho, sem desviar o olhar fixo do horizonte, quase como sem demonstrar interesse, respondeu, meio que em pensamento, meio que balbuciando:
-Guenta sim Grilo. Guenta sim! amanhã a labuta é outra... nossa vida é só essa quiçaça aí mermo.
Grilo tirou mais uma vez o chapeu puído, maneou a cabeça demonstrando não ter entendido "uma grama" e saiu resmungando:
-Oche, oche, oche! tá ficando é broco...
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